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História da matemática

Pitágoras e os pitagóricos

O teorema de Pitágoras e sua demonstração (em grego)
Fonte: tiny.cc/teorema-pitagoras

O teorema de Pitágoras é, sem dúvida, o mais conhecido teorema de toda a geometria, ensinado em todas as escolas e utilizado extensamente em toda a matemática. A pessoa à qual é atribuído, o filósofo grego Pitágoras de Samos (c. 570 — c. 495 a.C), no entanto, é bem menos conhecida.

Figura semilendária do século VI a.C., Pitágoras foi o líder de uma seita que acreditava, entre muitas outras coisas, que os números — puros, livres e incorruptíveis — eram alguma coisa próxima de entidades divinas, possuidoras de consciência e de influência direta na vida prática dos homens. Pitágoras e seus discípulos, conhecidos como pitagóricos, estão também entre os primeiros cientistas a exigir argumentos racionais para diversos fatos matemáticos conhecidos como teoremas. Eles deram início, juntamente com Tales de Mileto (c. 624 — 546 a. C.), considerado o primeiro filósofo ocidental, à forma de matemática dedutiva que hoje estudamos nas universidades.

A figura acima é a famosa demonstração do teorema de Pitágoras assim como aparece no longamente decantado livro Elementos, de Euclides de Alexandria (fl. c. 300 a.C.). A demonstração, no entanto, não é de Pitágoras, mas do próprio Euclides. Pitágoras não demonstrou com toda generalidade o teorema que leva o seu nome, mas apenas percebeu sua validade em casos particulares. Também não foi seu descobridor: os matemáticos mesopotâmicos conheciam as ternas pitagóricas e quase certamente conheciam sua expressão geométrica, assim como os egípcios, também excelentes geômetras.

Não se conhece nada que Pitágoras tenha escrito. Uma longa tradição lhe atribui muitos feitos, muitas descobertas, mas as primeiras obras escritas sobre sua vida só apareceram cerca de… 800 anos depois de sua morte! Em outras palavras, quase tudo o que se sabe dele e de sua fraternidade é fruto de transmissão oral, um telefone sem fio bastante persistente, mas nada confiável. Platão (428 — 348 a.C.), o grande pai da filosofia ocidental, foi profundamente influenciado pela tradição pitagórica. E daí, pela influência de Platão, temos o pitagorismo ainda evidente em nossa cultura.

Segundo a tradição — ao falarmos de Pitágoras, estaremos sempre nos referindo a essa tradição — Pitágoras e seus discípulos não foram simples místicos em busca de um ritual, mas também cientistas sagazes. Eles observaram, por exemplo, que cordas vibrantes tocadas juntas produziam sons harmoniosos, agradáveis ao ouvido, se seus tamanhos mantinham razões expressas por inteiros, preferencialmente pequenos, como 1/2, 2/3 e 3/4. A teoria musical que ainda hoje estudamos teve início com essas simples observações.

Os pitagóricos estudaram também propriedades dos números figurados, como os números triangulares, retangulares e pentagonais, sugerindo diversas relações entre eles. Descobriram os números perfeitos, aqueles que são a somas de seus divisores próprios, como o 6 (divisores próprios: 1, 2 e 3, e daí 6 = 1 + 2 + 3) e 28 (divisores próprios: 1, 2, 4, 7 e 14, e daí 28 = 1 + 2 + 4 + 7 + 14).

Essa sanha aritmética levou Pitágoras a afirmar que “tudo é número”, um dogma religioso rapidamente refutado pela famosa crise dos incomensuráveis. De maneira simplificada, essa crise se originou com a descoberta de que números como a raiz quadrada de 2 ou de 5 não podem ser expressos como uma razão (divisão) entre dois números inteiros. No fim do choque criado por essa descoberta, a sociedade pitagórica não existiria mais, mas sua poderosa influência criativa pode ser sentida ainda hoje em diversos campos das artes, da filosofia e das ciências.

Discussão

Os pitagóricos estão no fundamento e no coração de muito do que veio a ser conhecido como filosofia ocidental. Sua história continua a inspirar místicos e cientistas, admirados com a candente originalidade de suas contribuições. E como tudo na história, os pitagóricos levantam diversas questões:

  1. Juntamente com Tales de Mileto, Pitágoras e seus discípulos introduziram na matemática os primeiros exemplos de argumentos puramente racionais conhecidos como demonstrações. Os povos mesopotâmicos e egípcios não chegaram a conhecer tais instrumentos intelectuais. Será, então, que a ideia de demonstração deveria ser ensinada nas escolas, uma vez que muito da matemática utilitária de que necessitamos sobrevive sem ela?
  2. Em sua opinião, existe alguma relação necessária entre matemática e misticismo, ou isso é apenas uma característica particular dos pitagóricos?
  3. A numerologia que vemos em livros e sites da internet, promovendo poderes extraordinários de certos números, é uma descendente contemporânea do misticismo aritmético pitagórico. Você consegue imaginar algum argumento concreto que a justifique?

Para conhecer mais

Você saberia dizer o que significa, com segurança, o que é:

  • demonstração
  • teorema
  • matemática dedutiva
  • número figurado
  • incomensuráveis

Por Frederico Lopes

Frederico Andries Lopes é doutor em Educação Matemática pela UNESP/Rio Claro e professor associado do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiabá.

É tradutor de textos antigos de matemática escritos principalmente em latim. Já publicou livros sobre o uso educativo de linguagens de programação, sobre gramática latina e história da matemática.

É pai orgulhoso dos trigêmeos Henrique, Ricardo e Valquíria e das gêmeas Laura e Leonora. Cuidar dessa turma é sua principal atividade. Tudo o mais são distrações e difficiles nugae.