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Educação

Nossa pobre formação intelectual

O que faz alguém ser realmente bom no que faz?

Dizem-nos que aprender qualquer coisa requer tempo e dedicação, acompanhados do esforço constante, prolongado e refletido. Sabemos disso na prática, mas ainda assim mantemos a frágil esperança de um dia vir a aprender por osmose, aproveitando a preguiça essencial de nosso ser inculto. Será que não existe um atalho para a excelência? Não seriam os casos raros de gênios um favorecimento desonesto da genética?

O desempenho de alto nível em qualquer atividade só chega após 10.000 horas de prática, em média, como afirmam os especialistas:

Pesquisadores (Bloom (1985), Bryan & Harter (1899), Hayes (1989), Simmon & Chase (1973)) demonstraram que uma pessoa leva cerca de dez anos para se tornarem peritas em qualquer uma de uma grande variedade de áreas, includindo jogar xadrez, composição musical, operação de telégrafo, pintar, tocar piano, nadar, jogar tênis e pesquisar neuropsicologia ou topologia. A chave é a prática constante: não apenas fazer de novo e de novo, mas se desafiar em uma tarefa que está um pouco além da sua capacidade atual, de tentar, analisando o seu desempenho durante e após a prática, e corrigir eventuais erros. Em seguida, repita. E repita novamente. Não parece haver atalhos: até Mozart, que foi um prodígio musical aos 4 anos, levou mais 13 anos antes de começar a produzir música de primeira classe. Em outro gênero, os Beatles parecem ter surgido em cena com uma sequência de top hits e uma aparição no show do Ed Sullivan em 1964. Mas eles vinham tocando em pequenos clubes em Liverpool e Hamburgo desde 1957, e ainda que tivessem apelo das massas desde o começo, o seu primeiro grande sucesso, o Sgt. Peppers, foi lançado em 1967. Malcolm Gladwell relata um estudo feito com alunos da Academia de Música de Berlim, que comparou o terço superior, o médio e o terço inferior da classe, além de ter perguntado o quanto eles haviam praticado:

“Todos, de todos os três grupos, começaram a tocar mais ou menos na mesma época – cerca de cinco anos de idade. Naqueles primeiros anos, todos praticaram aproximadamente a mesma quantidade – cerca de duas ou três horas por semana. Mas em torno da idade de 8 anos, as diferenças começaram a surgir. Os alunos que acabariam como os melhores da classe começaram a praticar mais do que todos os outros: 6 horas por semana aos 9 anos, 8 horas aos 12 anos, 16 horas aos 14 anos, e cada vez mais, até que na idade de 20 eles estavam praticando bem mais do que 30 horas por semana. Com a idade de 20, os artistas elite tinham todos totalizado 10.000 horas de prática ao longo de suas vidas. Os alunos simplesmente bons totalizaram, por outro lado, 8.000 horas, e os futuros professores de música, um pouco mais de 4.000 horas.”

Pode ser então que 10.000 horas, não 10 anos, seja o número mágico. Henri Cartier-Bresson (1908-2004) disse que “Suas primeiras 10.000 fotografias são suas piores”, mas ele tirava mais de uma por hora. Samuel Johnson (1709-1784) pensa que pode levar ainda mais tempo: “Excelência em qualquer departamento só pode ser alcançada com o trabalho de uma vida, e não pode ser comprada por um preço menor.” E Chaucer (1340-1400) reclamou “ó vida tão curta, a arte tão longa para aprender”. Hipócrates (c. 400 a.C.) é conhecido pelo provérbio “ars longa, vita brevis”, que faz parte do trecho mais longo “Ars longa, vita brevis, occasio praeceps, experimentum periculosum, iudicium difficile”, que em português fica mais ou menos “A arte é longa, a vida é breve, a ocasião é fugaz, a experiência é perigosa, o juízo é difícil”. Embora em latim “ars” possa significar tanto “arte” quanto “ofício”, no original grego a palavra “techné” só pode significar “habilidade”, não “arte”.

A citação acima vem de um excelente artigo de Peter Norvig, relacionado à excelência em programação. As referências que ele faz podem ser também lá verificadas.

A quase totalidade de todos os profissionais estuda muito menos do que 10.000 horas para poderem exercer suas profissões, o que nos faz pensar seriamente sobre a pobreza e deficiência de suas formações. Poucos realmente se dedicam para se tornar expoentes em seu campo de atuação. Considerando que um curso superior de 4 anos, em uma universidade federal, exige cerca de 3.000 horas de aulas e práticas, e que quase todos os alunos chegam lá sem saber absolutamente nada do que estudarão, podemos supor que os profissionais com curso superior no Brasil são mal formados, ou precisam de muito mais para se tornar profissionais destacados em seus campos. Mestrados e doutorados não fazem com que o sujeito alcance as 10.000 horas mágicas. Por outro lado, e considerando a Lei de Sturgeon, que diz que 95% de tudo é lixo, estamos bem além do necessário. Infelizmente.

Por Frederico Lopes

Frederico Andries Lopes é doutor em Educação Matemática pela UNESP/Rio Claro e professor associado do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiabá.

É tradutor de textos antigos de matemática escritos principalmente em latim. Já publicou livros sobre o uso educativo de linguagens de programação, sobre gramática latina e história da matemática.

É pai orgulhoso dos trigêmeos Henrique, Ricardo e Valquíria e das gêmeas Laura e Leonora. Cuidar dessa turma é sua principal atividade. Tudo o mais são distrações e difficiles nugae.