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Newton e os infinitésimos

Pagina de rosto do livro Método das fluxões
Fonte: Wikimedia Commons

Isaac Newton (1642 – 1727), um cientista tímido e reservado, foi para o século XVIII o que Albert Einstein (1879 – 1955) foi para o século XX: um gênio que mudou o paradigma da ciência de seu tempo. Talvez ainda mais do que Einstein, Newton foi não só um criador de uma nova maneira de pensar a ciência natural, mas também um matemático original e profundo que forjou os instrumentos intelectuais do mundo moderno.

Há tanto o que falar de Newton, o último dos magos e o primeiro dos modernos, que toda escolha é uma severa ofensa a sua obra multifacetada. Todavia, limitaremos este texto a um aspecto de seu trabalho sobre uma das mais importantes ferramentas matemáticas da humanidade: o cálculo.

Foi no livro The Method of Fluxions (O método das fluxões), escrito em 1671 mas publicado postumamente em 1736, que Newton apresentou seu método das fluxões, o nome do que hoje conhecemos como derivadas. Derivadas estão no coração do chamado cálculo diferencial e integral e na raiz da revolução científica operada por Newton e seus contemporâneos. Mas por que são assim tão importantes?

Derivadas aparecem em todos os lugares. Quando medimos a velocidade em quilômetros por hora (km/h), a corrente elétrica em coulombs por segundo (C/s), a vazão em litros por segundo (l/s), estamos falando de derivadas. De maneira simplificada, Newton descobriu como, dada a equação da trajetória de um planeta, encontrar a equação de sua velocidade, e vice-versa. Newton derivou uma equação de outra, e essa foi a origem do nome derivada — nome que ele não utilizou.

Geometricamente, o problema envolve encontrar retas tangentes a curvas. O processo é simples uma vez entendido, mas criá-lo não foi nada fácil. Matemáticos, desde a antiguidade, desenvolveram métodos próprios para resolver problemas particulares, mas nenhum método geral que se aplicasse a todas as equações então conhecidas. Newton desenvolveu seu próprio método fazendo uso de um conceito controverso na história da matemática: os infinitésimos.

Tome um número positivo bem pequeno, mas que não seja zero. Suponha que esse número seja 0,01. É possível pensar um número menor? Sim, e até um dez vezes menor: 0,001. É possível pensar em um menor ainda? Sim: 0,0001, novamente dez vezes menor do que o anterior, e assim sucessivamente. Um infinitésimo é menor que todos esses números imagináveis, e ainda assim não é zero. Como isso é possível?

No conjunto dos número reais, isso não é possível. Mesmo assim, Newton fez uso dos infinitésimos bem ciente de suas contradições. Empregou-os com coragem para resolver uma série de problemas persistentes, em linha com outros matemáticos de séculos anteriores que operaram com essas aparentes aberrações lógicas sem muitos pudores. Mas, por temer críticas e controvérsias, Newton postergou indefinidamente a publicação de seus resultados.

Vamos a um exemplo bem simples. Considere a equação mais simples de uma parábola, f(x)=x2, e considere que precisamos encontrar uma reta tangente em um ponto A(x, y) qualquer, como mostra a figura a seguir:

A reta (em vermelho) tangenciando a curva f (em azul) no ponto A

Em um determinado momento do processo de encontrar a derivada, Newton introduziria o infinitésimo “o” e faria o quociente

[latex display=”true”]\frac{(x + o)^2\ -\ x^2}{(x+o)-x} = \frac{2xo+o^2}{o} = 2x+o[/latex]

Depois, sem mais delongas, desprezaria o número “o” e encontraria a equação derivada 2x. O problema? Introduzir no processo algo diferente de zero e depois desprezá-lo como se fosse zero.

Newton sabia bem disso, como sabiam todos os matemáticos que utilizaram infinitésimos. Tudo funcionava maravilhosamente, mas ninguém conseguiu ignorar um elefante que surgiu na sala: o método parecia corroer as bases lógicas do edifício da matemática. Nunca na história das ciências um elefante tão diminuto causou tantos problemas.

Apesar dos contratempos, o método das fluxões continha os germes da ideia moderna de limites, usada para formalizar o conceito de derivadas e expulsar as contradições que os infinitésimos criavam. Mas, para isso, um complicado formalismo teve que ser introduzido no cálculo, gerando uma sopa de letrinhas intragável que os pobres coitados dos estudantes de exatas devem digerir nos modernos — e antipedagógicos — cursos universitários de cálculo.

Discussão

  1. Newton escreveu uma quantidade impressionante de artigos sobre alquimia e teologia, muito mais do que sobre física e matemática. No entanto, apenas estes últimos tiveram influência duradoura, enquanto os livros de teologia e alquimia foram esquecidos pela história. Por que você acha que isso aconteceu?
  2. Os infinitésimos foram usados com sucesso durante séculos, antes e depois de Newton. Foram descartados pelos matemáticos do século XIX, preocupados com o rigor, e redescobertos na segunda metade do século XX. As contradições que geravam foram domadas e seu emprego foi reabilitado. Ainda assim, pouquíssimos os utilizam atualmente. Você acredita que ideias científicas têm seu tempo, e que, uma vez superadas, não é mais possível reutilizá-las?
  3. Quais são os motivos para que as disciplinas de cálculo diferencial e integral sejam as maiores reprovadoras nas universidades?

Para saber mais

  • cálculo diferencial e integral
  • teorema fundamental do cálculo
  • infinitésimo
  • limites e notação [latex]\epsilon – \delta[/latex]

Por Frederico Lopes

Frederico Andries Lopes é doutor em Educação Matemática pela UNESP/Rio Claro e professor associado do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiabá.

É tradutor de textos antigos de matemática escritos principalmente em latim. Já publicou livros sobre o uso educativo de linguagens de programação, sobre gramática latina e história da matemática.

É pai orgulhoso dos trigêmeos Henrique, Ricardo e Valquíria e das gêmeas Laura e Leonora. Cuidar dessa turma é sua principal atividade. Tudo o mais são distrações e difficiles nugae.