Como é de praxe, conhecer a origem da palavra pode lançar alguma luz nos primeiros passo da caminhada, como uma frágil lanterna apontada para uma longa estrada que se trilha pela noite.
Minimalismo vem de minimus, o superlativo da palavra latina parvus – pequeno, pouco. Significa, por isso, o que há de mais pequeno, o que há de menor. Em outras palavras, um grau acima do nada.
Por mais poética que seja a definição, há um quê de essencial nela. Minimalismo é um ismo que aponta para um fazer/realizar/viver com o mínimo possível, seja materialmente, seja metodologicamente. Minimalismo, podemos resumir, é uma doutrina que prega a redução radical dos meios para se atingir os fins. É uma aposta no virtuosismo que faz muito com pouco, que realiza bastante com quase nada. É também uma postura econômica, como veremos, e uma tendência que vem se espalhando com outras nomenclaturas pelos quatro cantos da vida digital.
O minimalismo mais conhecido é o das artes visuais. Podemos mesmo dizer que é nas artes que ele tem início. Ou ainda, que tomou consciência de si, dando corpo a uma tendência de ação e pensamento até bastante antiga.
A imagem acima, o quadro Quadrado branco sobre fundo branco, do pintor russo Kasimir Malevich (1878-1935), é uma obra emblemática do movimento artístico conhecido como suprematismo, centrado na exploração das capacidades expressivas das formas geométricas básicas, como o círculo e o quadrado, e nas cores primárias azul, vermelho, amarelo, branco e preto.
Também em 1915, Malevich pinta o Quadrado preto sobre fundo branco, quadro que, mesmo sem a presença de sua representação pictórica, pode ser facilmente imaginado… O suprematismo, como um dos movimentos modernistas do início do século 20, é um movimento minimalista. Em verdade, é sua expressão mais sólida: restrição de meios para atingir certos fins. No caso, fins expressivos, como se, em sua pesquisa, o artista procurasse descobrir quais são os fundamentos de sua arte, as verdadeiras raízes da expressão plástica. Wassily Kandinsky (1866-1944) e Piet Mondrian (1872-1944) são outros dois conhecidos artistas que possuem parte de sua obra ditada pelos cânones do minimalismo.
A arte do século XX tomou muitas trilhas, a maioria delas estéreis, mas o minimalismo não foi uma delas. Pelo contrário, é uma postura ou posição conceitual que pode ser encontrada até mesmo em arte figurativa tradicional, como nas obras do artista vietnamita Nguyen Thanh Binh (1954-).
A obra de Nguyen Bihn possui também uma característica fundamental do minimalismo visual: o apreço pela cor branca, que ao mesmo tempo representa tanto o nada (a tela intocada), como o tudo (a mistura de todas as cores).
Contemplando a imagem anterior, percebemos que, além de conteúdo puramente pictórico, o artista nos oferece um momento de delicada sensibilidade ao nos apresentar o torso de uma jovem bailarina em descanso. Notável também é a assinatura vermelha discretamente localizada à direita, no topo. Como percebemos, existem graus de minimalismo, desde a flébil emotividade de Malevich à pureza espiritual de Bihn.
Logo depois das artes gráficas, a escultura é um dos domínios preferidos da expressão minimalista. O artista norte-americano Sol LeWitt (1928-2007) costuma ser apontado como o principal representante do minimalismo escultural.
LeWitt, que foi também artista plástico e colaborou em criações arquitetônicas, é preferencialmente denominado um artista conceitual. Sobre ele teremos a oportunidade de falar mais um pouco em nossa segunda postagem, quando abordaremos a motivação matemática do minimalismo.
À mesma época de LeWitt, trabalharam Donal Judd (1928-1994) e Robert Morris (1931-), este que, além de escultor, foi um dos criadores da arte performática. A um passo além da escultura, encontramos o minimalismo em arquitetura, que se expressa também com o predomínio de formas espaciais elementares, como o cubo e o paralelepípedo, a cor branca e a utilização da luz de forma inteligente, tanto para iluminar quanto para decorar.
A Casa Cubo, do arquiteto brasileiro Márcio Kogan (1952-), é um exemplo exemplar da arquitetura minimalista, na qual a imaginação geométrica se expressa através da combinação de elementos estruturais mínimos, em busca de uma beleza austera e funcional.
Em Portugal, a arquitetura minimal dos premiados irmãos Manuel e Francisco Aires Mateus representa o que aquele país tem de melhor a oferecer.
O exemplo da arquitetura nos permite acrescentar algumas novas características ao minimalismo: a limpeza, a leveza dos ambientes e a subtração do desnecessário para uma vida simples e focada, tema de que nos ocuparemos em nossa terceira postagem.
Na música, o minimalismo aconteceu mais tarde, ainda que seus princípios já estivessem presentes na música do início do século XX. Foi na década de 1960, nos Estados Unidos, que artistas longevos como Terry Riley (1935-), Steve Reich (1936-) e Philip Glass (1937-) deram início a minimalismo musical. A grande figura, no entanto, foi John Cage (1912-1992), que não pode ser dito, assim como os outros, um artista exclusivamente minimalista, mas experimental de vanguarda.
Animados pelo ideal de buscar o máximo com o mínimo, ou de encontrar a essência da arte musical, as músicas desses artistas nos parecem ruidosas, repetitivas e até mesmo engraçadas. Aos ouvidos do público, músicos minimalistas parecem charlatões, bufões incapazes de criar uma melodia memorável. Nada mais falso, como podemos verificar pelos dois vídeos abaixo, nos quais o balé, tornado minimalista pela música, predomina.
Einstein on the Beach, de Philip Glass, é certamente uma daquelas óperas mais comentadas do que assistidas. Além da música, obsessiva, observe também os passos de dança e a onipresente cor branca.
Steve Reich, em sua famosa Violin Phase (1967), em que um tema simples de violino ocasionalmente defasa consigo mesmo, é outra música emblemática do minimalismo musical. As simplicidade dos movimentos repetitivos da bailarina (novamente uma bailarina), o círculo no chão, o branco dominante, também não deixam de saltar à vista.
Também a literatura, como esperado, não fica de fora. Surgida de maneira inconsciente com haikais no Japão, a literatura minimalista é caracterizada pela economia de palavras e faz foco na descrição da superfície das coisas, o aspecto mais tangível aos nossos sentidos, o que ocasiona um distanciamento psicológico do autor daquilo que deseja descrever.
A literatura minimalista apoia-se no contexto sugerido e exige uma participação ativa do leitor. Um escritor como Ernest Hemingway (1899-1961), ao qual costumam ser atribuídos de forma espúria diversos microcontos, figuraria em qualquer lista de escritores minimalistas, ainda que o minimalismo não seja a postura preferencial de Hemingway. Raymond Carver (1938-1988), que não se via de forma alguma como minimalista, costuma ser lembrado com frequência nos círculos de escrita minimal. Os três microcontos seguintes, de autores renomados, podem dar uma ideia do que trata esse veio do minimalismo:
“2 de agosto: a Alemanha declarou guerra à Rússia. Natação à tarde.” – Franz Kafka (1883-1924)
“A velha insônia tossiu três da manhã.” – Dalton Trevisan (1925-)
“Quando acordou o dinossauro ainda estava lá.” – Augusto Monterroso (1921-2003)
Não faz mal notar, mais uma vez, que o microconto é apenas uma forma de minimalismo literário. Restrição vocabular, proibição de frases além de certo tamanho, a descrição com no máximo um adjetivo e outros procedimentos técnicos caracterizam a escrita minimalista, ainda que o livro daí produzido resulte em 1000 páginas. O espírito do minimalismo literário pode ser resumido em uma frase: menos palavras, mais impacto.
Finalizando nossa análise, perguntamos: o que é cinema minimalista? Seriam sucessões de imagens mínimas, com poucos elementos, brancas e geométricas? Não, não é bem assim. O cinema minimalista é executado normalmente por atores e diretores que não se declaram minimalistas, nem sequer se dão conta de que estão criando uma obra de arte minimal.
Steven Spielberg criou uma obra de arte minimal no filme Encurralado (Duel, 1971), em que um sádico motorista de caminhão persegue e tenta enlouquecer, sem nenhum motivo aparente, um inocente vendedor ambulante.
O filme gira ao redor de uma só ação. Embora existam as tradicionais paradas em postos de gasolina, atendentes de bares de beira de estrada, ônibus escolares cheios de crianças, é a perseguição, frenética e obsessiva, no mais amplo e árido deserto, que é o centro da narrativa. Durante todo o filme, perguntamos, insistentemente, por quê? quem é o motorista do caminhão de quem sequer vemos a face? o que o vendedor fez para merecer isso?. Somos frustrados toda vez que nossa credulidade ingênua supõe ter encontrado uma resposta.
O filme, depois entendemos, não é sobre porquês, mas sobre a experiência visceral e autêntica, sem motivo ou razão, de vivenciar o desespero, a angústia e a loucura que vai tomando conta do personagem principal. Cinema minimalista, Spielberg nos ensina, não trata apenas de minimalismo visual, mas também narrativo, em que o diretor, intencionalmente, nos faz abdicar de uma postura padrão gorda e prenhe de expectativas diante da experiência cinematográfica, e nos atrela a, no máximo, uma sensorialidade básica e instintiva.
O diretor Sidney Lumet (1924-2011), já em 1957, nos ofereceu o minimalista e genial 12 homens e uma sentença (12 Angry Men). O filme todo se passa dentro de uma claustrofóbica sala de júri.
Um jovem porto-riquenho é acusado de matar o próprio pai. Doze jurados decidirão seu destino. Onze acham que, dadas todas as massacrantes e aparentemente óbvias evidências, o garoto é indubitavelmente culpado. Apenas um, o Jurado 8 (Henry Fonda, brilhante), discorda da opinião dos outros. Não é difícil de imaginar que o Jurado 8 sofrerá todo tipo de ataque verbal e será vítima de sarcasmos e ironias para defender seu ponto de vista: afinal, não sabemos mesmo se o garoto é culpado. Sozinho, e debaixo de uma chuva de agressões, o Jurado 8 consegue virar a cabeça dos outros jurados, que acabam absolvendo o jovem.
O filme é intelectualmente tão intrigante e absorvente que nos esquecemos que se passa inteiramente dentro de uma saleta. Não percebemos que os doze lá dentro estão vestindo praticamente a mesma roupa (camisas brancas), e que apenas por mais duas outras vezes a câmera se desloca de locação, no início e no final do filme. O minimalismo, aqui, é de outra natureza, e oposto ao minimalismo de Encurralado: muitos personagens em um ambiente limitado, em oposição a poucos personagens em um ambiente ilimitado. No entanto, novamente percebemos a ideia de restrição e limitação de algum elemento do filme, reduzindo-o a um mínimo concebível.
O minimalismo no cinema irá nos brindar com outras obras primas, em que quase não há diálogos, ou quase não há ação, ou quase não há descanso, ou quase não há som, ou quase não há silêncio, ou quase não há alguma coisa que nos parece natural em todos os filmes. As possibilidades do minimalismo cinematográfico são as mais ricas e mais férteis do que todos os outros minimalismo juntos, uma vez que o cinema incorpora e faz uso de todas as artes anteriores.
Avaliação
O minimalismo artístico se caracteriza pela restrição voluntária de um ou mais elementos constitutivos de uma dada forma de arte, e pela utilização daquilo que o artista percebe ser um “bloco de construção” de seu edifício artístico. Nem tudo em uma determinada criação artística é essencial, mas aquilo que é, o é por sua natureza dominante em relação a todos os outros elementos.
Nem sempre restrições sobre o vasto campo das possibilidades artísticas é frutífero. Quando o são, nossa consciência se expande diante de uma reflexão sugerida, talvez imposta, sobre um único e determinado elemento. Frequentemente, a reflexão é mesmo sobre o tempo e o espaço, e como são manipulados pela obra de arte. O minimalismo, assim, é quase que uma instanciação artística da filosofia, a materialização de uma longa meditação.
O minimalismo, como reação à arte rococó, é bem-vindo. Como expressão do niilismo, chega a ser inócuo ou até indesejado. O minimalismo é também uma reação à arte intuitiva, impressionista, pois exige que o artista pense, muitas vezes à maneira de um matemático, um analista, ou um anatomista que disseca a própria arte até chegar não no osso, mas no tutano de uma expressividade elementar.
A arte minimalista, por outro lado, também sofre críticas, e críticas bem fundamentadas. O premiadíssimo músico brasileiro Flô Menezes (1962-), argumenta em defesa de uma arte maximalista, em que o artista, longe de impôr restrições, deveria criar uma obra fenomenologicamente complexa, em que a simultaneidade dos eventos e dos objetos seja trabalhada sem artificialismos. Em uma entrevista, Menezes critica o minimalismo musical americano, descrevendo-o diluído e previsível. No entanto, o próprio design do website de Menezes é minimalista, o que nos indica que, aparentemente, minimalismo e maximalismo não são posturas contraditórias, mas opções nas mãos do artista.