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Disputas históricas raramente são definitivas. Até que novos documentos ou vestígios sejam descobertos e novas interpretações sejam propostas, a história oficial se mantém em uma espécie de limbo narrativo, aguardando ser reescrita por jovens historiadores em busca de um lugar ao sol. Com a história do zero não é diferente.
É discutível se os matemáticos do Egito e da Mesopotâmia conheciam o conceito de zero, mas certamente não possuíam um símbolo para representá-lo. No Egito, construtores marcavam o nível do solo, o nível zero, com um símbolo, mas esse símbolo não era usado em seu sistema de numeração. Os astrônomos da Mesopotâmia deixavam espaços no meio dos números para indicar o zero, o que, obviamente, gerava um enorme problema de leitura. Como saber, por exemplo, se o número 2 1 era 21, 201 ou 2001? Além disso, um simples número como 3 poderia indica 3, 30, 300 ou mais, pois nunca sabemos quantos espaços à direita o escriba teve a intenção de deixar.
Todo esse problema aparece quando usamos a notação posicional para registrar números, ou seja, quando um mesmo algarismo tem valor diferente dependendo da posição que ocupa. O número 55 é feito por dois algarismos iguais, mas o da esquerda vale dez vezes mais do que o da direita. A numeração romana que usamos ainda hoje não é estritamente posicional, e este é apenas um dos sistemas criados na história em que a posição não desempenha papel fundamental.
Apenas no século passado, historiadores europeus voltaram seus olhos para as contribuições científicas de povos distantes da bacia mediterrânea, como indianos, chineses e maias. E o interessante é que foram exatamente esses os primeiros a reconhecer a utilidade de um símbolo para o zero em suas notações.
Por volta de 665, os maias já tinham um símbolo para o zero. Mas, por razões óbvias, isso não influenciou em nada ciência do Velho Mundo. Coube aos indianos realizar o feito de reinventar e difundir um símbolo para o zero.
O zero já era comum na matemática indiana por volta do ano 650, uma época de ouro para as ciências naquela região. Três matemáticos se destacavam: Brahmagupta (c. 598 – c. 668), Bhaskara (c. 600 – c. 680), conhecido por sua célebre forma, e Mahavira (c. 800 – c. 870), já de uma geração posterior. Todos os três usavam o zero em operações matemáticas. Brahmagupta afirmava, por exemplo, que um número subtraído dele mesmo resultava em zero, e que qualquer número multiplicado por zero é zero. Isso nos parece demasiadamente óbvio hoje, mas foi um grande feito para a época.
Levado ao Ocidente pelos árabes, o símbolo para o zero dos matemáticos indianos era como o nosso, apenas menor e elevado na linha de escrita. Foi apenas em 1202, com o Liber Abaci (O livro do ábaco) de Leonardo de Pisa (c. 1170 – c. 1240/1250), que os algarismos indo-arábicos fizeram sua entrada definitiva na ciência ocidental, desbancando as terríveis dificuldades das operações com os números romanos ou com as pedrinhas usadas nos ábacos medievais da época.
Discussão
- O zero é importante não só na aritmética, mas também na álgebra. Você consegue imaginar outras utilidades para ele além daquelas descritas aqui?
- Existem diversos sistemas de numeração no mundo, tanto históricos quanto modernos, com diversas bases. O nosso, de base 10, possui 10 símbolos distintos. Outro, muito usado na moderna computação, usa a base hexadecimal, com todos os conhecidos 10 algarismos indo-arábicos mais as letras A, B, C, D, E e F. Pesquise por que foram criados e responda: seria conveniente introduzir esse sistema nas escolas básicas para melhor adaptar os alunos ao universo da moderna computação?
- Tente somar os números romanos CCXXIX com DXLVIII, sem convertê-los para decimais, e diga se isso tornou seu dia mais feliz.
Para saber
Que tal pesquisar mais um pouco sobre:
- notação posicional
- ábaco medieval
- algarismos indo-arábicos
- numeração hexadecimal